sábado, 29 de maio de 2010

Equinoterapia




Por Darío Montero*

O Terramérica visitou uma fazenda nos arredores da capital uruguaia, onde as pessoas que sofrem problemas emocionais, dependentes químicos, autisimo ou síndrome de Down se beneficiam da eqüinoterapia.

MONTEVIDÉU, 12 de junho (Terramérica).- Decidida e rapidamente, Matilde, uma menina hiperativa de 12 anos com síndrome de Down, entra em comunhão com um cavalo no estabelecimento rural de eqüinoterapia do fisiatra uruguaio Néstor Nieves. A interação com o animal funciona como um estimulador múltiplo para a garota. Quem a guia é um especialista em psicomotricidade, um dos sete filhos de Nieves e sua mulher, a educadora Ana María Reyes, que realizam esta experiência em uma fazenda alugada. a cerca de 30 minutos de automóvel do movimentado centro de Montevidéu.

A eqüinoterapia “se baseia no aproveitamento das qualidades naturais do cavalo para buscar a reabilitação integral do indivíduo, concebido como um ser psicossocial portador de uma ou múltiplas deficiências, que integra harmonicamente saúde, educação e equitação”, diz um folheto escrito pelo já falecido Carlos Barboza, médico e co-fundador da aventura de Nieves, na não-governamental Associação Nacional de Reabilitação Eqüestre (Anre). “São muito poucas as patologias que não se beneficiam da interação com o cavalo. A relação com este animal gera vínculos com a equipe interdisciplinar, age como estimulador múltiplo na área motora, com seu movimento tridimensional e repetitivo”, diz Barboza no texto.

Néstor Nieves explica ao Terramérica os avanços obtidos com a eqüinoterapia em pessoas com as mais distintas patologias físicas, psíquicas e sociais, enquanto recebe seus primeiros pacientes, em uma manhã de domingo, banhada por um acolhedor sol de outono. O passeio a cavalo pode durar até uma hora e meia, chegando, inclusive, à horta orgânica vizinha, e inclui outras aproximações com o animal, como a escovação e a preparação da montaria. “Trabalhamos com três eixos temáticos: educação, saúde e emergência social”, conta Nieves, enquanto sua mulher inicia um trabalho paciente com Matilde. A mãe e o irmão mais novo da menina também se integram à tarefa e ao entorno, descarregam tensões e participam de seus progressos evidentes.

“Supõe-se que um indivíduo, com o passo do cavalo, faça 1,8 mil ajustes tônicos, o que gera estímulos psicológicos”, descreve o especialista. A tarefa é multidisciplinar e envolve médicos, fisiatras, educadores, psicólogos, terapeutas ocupacionais e pediatras. Os pacientes são pessoas com amputações, distrofia muscular, lesões medulares, cegueira, surdez, autismo, síndrome de Down, transtornos emocionais, dependentes químicos, retardamento mental e uma dezena mais de patologias. A isso se somam jovens expulsos do sistema educacional ou trabalhista devido à profunda crise econômica pela qual o país passa, como ressalta Nieves, que se considera em constante aprendizado. Para isso, mantém estreitas ligações com experiências de terapias integracionais de longa data em Cuba e de eqüinoterapia no Brasil, França e Espanha, entre outros países, além de intercâmbios com chilenos, peruanos e mexicanos.

As origens da eqüinoterapia são ancestrais, e há cerca de 70 anos foi retomada de maneira sistemática no norte da Europa, enquanto os pioneiros na América são os brasileiros, que hoje contam com cerca de 200 centros. Nieves acredita que um congresso mundial, marcado para agosto, no Brasil, ajudará a desenvolver o sistema com um enfoque social no país e na região. Paradoxalmente, este médico começou na eqüinoterapia em meio a um apinhado complexo habitacional que reúne cerca de 70 mil pessoas, em um populoso bairro de Montevidéu. “Esse meio não era adequado, e por isso há seis anos mudamos para o campo”, explica, assegurando que seu estabelecimento “tem coisas mágicas”.

Como afirma, em conjunto com a mulher, o trabalho com os cavalos mudou a vida de toda a família. “Nos abriu o mundo da terapia ocupacional”, por exemplo. O objetivo final da experiência da terapia com cavalos é passar de um sistema de saúde assistencialista, imperante no Uruguai e em quase toda a América Latina, para um sistema de integração, includente e socializante. “É, definitivamente, a busca da mudança desse modelo para incorporar a reabilitação”, deixada de lado porque implica reinserção social, somente possível quando se dá à pessoa oportunidades de trabalho ou estudo, no caso dos mais jovens, disse Nieves.

A meta é espalhar pelo país escolas agrárias que incluam deficientes, jovens desempregados e desertores do ensino secundário, um projeto apresentado ao governo do presidente Tabaré Vázquez tão logo este assumiu (em março de 2005) e que está a ponto de se tornar realidade. Trata-se de aproveitar cerca de 30 escolas rurais inativas e outras 700 pouco utilizadas para desenvolver as fazendas educativas. “É hora de unir os centros de todo o país”, destaca Nieves. O ponto de partida foi a aliança entre a Anre e a Associação Cubana de Proteção Animal, uma organização não-governamental que funciona com a aprovação do Ministério da Cooperação Estrangeira. Agora é a fase para o convênio de país a país, no qual já se trabalha.

* O autor é subdiretor da IPS para a América Latina e o Caribe.

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